Tony Volpon
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Tony Volpon

Ex-diretor do Banco Central e professor-adjunto na Georgetown University (EUA)

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Os inescapáveis paralelos entre Lula e Biden

Olhar a derrocada política e eleitoral de Joe Biden parece alinhar com vários dos problemas que o presidente Lula está enfrentando naquilo que pode ser seu pior momento na vida política
Presidente dos EUA, Joe Biden, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Nova York
Biden (à esquerda) e Lula conversaram nesta quinta e trataram sobre viagem do americano ao Brasil  • 20/09/2023 - Kevin Lamarque/Reuters
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Raciocinar por analogia talvez seja um dos mais perigosos caminhos analíticos. Afinal, na maioria das vezes é fácil achar algumas semelhanças entre situações, o que não implica muita coisa (esse hábito é particularmente comum na análise econômica).

Ainda assim vivemos em um momento político onde algumas tendências parecem se expressar de forma comum entre vários países, de tal forma onde olhar o que aconteceu fora do Brasil joga luz sobre o que pode acontecer por aqui.

Por exemplo: quem viu a ascensão surpreendente de Donald Trump em 2016 entendeu mais rapidamente a vitória de Bolsonaro em 2018.

Na mesma linha, olhar a derrocada política e eleitoral de Joe Biden parece alinhar com vários dos problemas que o presidente Lula está enfrentando naquilo que pode ser seu pior momento na vida política.

Começamos com uma tendência que é realmente global: viés anti-incumbente.

Um “axioma” da ciência política seria as vantagens do incumbente em reeleições: eles contam com a “aura” do cargo como o poder de usar a máquina e gastos públicos a seu favor.

Mas depois da pandemia isso mudou: o cientista político de Harvard Steven Levitsky compilou o resultado de 54 eleições desde 2020 com o incumbente perdendo 74% dos pleitos.

Uma possível causa dessa tendência foi o forte surto inflacionário, com várias causas, inclusive com a continuidade de grandes déficits fiscais até depois da fase mais aguda da pandemia.

Aqui podemos apontar um primeiro paralelo entre Biden e Lula: ambos apostaram em forte aumento de gastos no início dos seus mandatos relativizando os riscos inflacionários.

Lula aprova a PEC da Transição de R$ 145 bilhões até antes da posse e Joe Biden aprova o American Rescue Plan de US$ 1.9 trilhões em março de 2021.

O forte impulso fiscal em ambos os casos levou a um crescimento maior, mas a um custo de uma inflação mais persistente, com as pesquisas de opinião em ambos os casos apontando que o eleitorado deu mais peso à inflação que ao crescimento econômico robusto.

Outro paralelo é que tanto Biden como Lula foram eleitos por margens muito estreitas, mais em função da rejeição ao opositor – Trump e Bolsonaro – do que grande entusiasmo por suas candidaturas.

E em ambos os casos acabam governando bem mais à esquerda do que foi sinalizado durante as suas campanhas quando ambas as sociedades estavam pivotando em uma direção mais conservadora – no caso brasileiro ajudado pelo contínuo crescimento do voto evangélico.

Outra semelhança: talvez em função da idade avançada de ambos (Biden tem 82 anos de idade, Lula 79) é uma evidente falta de capacidade de lidar com novas mídias digitais.  Ambos parecem ainda funcionar em um modo antiquado politicamente.

Desde pelo menos a metade do mandato as pesquisas de opinião claramente indicavam que o eleitorado, inclusive o eleitorado Democrata, não queriam Biden como candidato.

Apesar disso, muito influenciado pelo seu entorno familiar, Biden insistiu na sua candidatura até o debacle do primeiro debate com Trump. Aqui no Brasil, recente pesquisa da IPEC aponta que 62% do eleitorado acha que Lula não deveria concorrer em 2026.

Último paralelo: tanto Lula como Biden parecem mais isolados politicamente, tendo suas agendas rigorosamente controladas e limitadas por suas esposas que tem escapado do papel tradicional de primeiras-damas e assumido explicitamente um papel ativo na política e governo dos seus maridos.

Há, porém, uma grande diferença entre Biden e Lula. Biden – e depois Kamala Harris – tinham um forte opositor que unia o campo político à direita: Donald Trump.

Este não é o caso, pelo menos agora, no Brasil, onde os problemas legais de Bolsonaro e sua inelegibilidade – como possível prisão – criam um problema muito a maior de organizar a oposição para 2026, como também dando a Lula a possibilidade de, pelo menos no curto prazo, mudar de assunto e voltar a debater as ameaças ao regime democrático.

Mas devemos lembrar que Biden e Harris apostaram muitas fichas neste mesmo tema sem sucesso.

O que podemos concluir? Primeiro que a recente queda de popularidade exemplifica fatores não somente conjunturais – como a inflação de alimentos – ou “erros” de comunicação que um bom publicitário pode ajudar a corrigir.

Há fatores estruturais como consequências de escolhas políticas e econômicas errôneas, com poucas indicações até agora de uma vontade de fazer mudanças radicais para endereçar esses fatores.

Assim, só podemos concluir que Lula não é favorito para se reeleger em 2026, dependendo crucialmente da incapacidade da oposição em se organizar para ter chances de reeleição.

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